Mitos e Verdades da Documentação Imobiliária: tudo o que você precisa saber
Comprar um imóvel é uma grande conquista — e a documentação é o que garante a sua segurança jurídica. Este guia, em linguagem clara e profissional, explica o que é mito e o que é verdade, quais documentos pedir, como funciona o registro, quais são os custos e quais cuidados tomar em compras à vista, com financiamento e na planta.
1) Por que a documentação importa
No Brasil, a propriedade do imóvel só se transfere quando o título (por exemplo, a escritura) é registrado na matrícula do imóvel, no Cartório de Registro de Imóveis. Sem o registro, o comprador permanece desprotegido e pode enfrentar riscos como venda em duplicidade, penhoras desconhecidas, dificuldade de financiar e até disputas judiciais.
Por isso, toda negociação deve ser planejada com due diligence (diligência prévia), leitura da matrícula atualizada e checagem das certidões do imóvel e do vendedor.
2) Mitos e verdades mais comuns
Mito 1 — “Assinei a escritura, já sou dono.”
Verdade: a escritura é o título; a propriedade só se transfere com o registro do título na matrícula do imóvel.
Mito 2 — “Contrato particular basta para qualquer valor.”
Verdade: imóveis acima de 30 salários mínimos, em regra, exigem escritura pública. Em financiamentos com alienação fiduciária, a lei permite instrumento particular com força de escritura.
Mito 3 — “Se o vendedor tem dívidas, o imóvel sempre será penhorado.”
Verdade: vigora o princípio da concentração na matrícula: pendências que possam afetar terceiros devem constar na matrícula. Quem compra de boa-fé e faz a diligência adequada está protegido contra o que não consta formalmente.
Mito 4 — “O ITBI é calculado por um ‘valor de referência’ da Prefeitura.”
Verdade: a base do ITBI deve refletir o valor de mercado/da transação, e não um número arbitrário pré-fixado.
Mito 5 — “Reconheci firma, então posso registrar.”
Verdade: reconhecimento de firma autentica assinaturas, mas não substitui a necessidade de escritura pública ou do título hábil ao registro.
Mito 6 — “Procuração simples serve para vender imóvel.”
Verdade: procuração para vender/onerar imóvel deve ser pública e conter poderes específicos.
Mito 7 — “Na planta posso comprar sem memorial de incorporação registrado.”
Verdade: o incorporador só pode comercializar após o registro do memorial de incorporação na matrícula do terreno. Sempre peça o número do registro.
Mito 8 — “Tudo pode ser feito 100% online.”
Verdade: existem escrituras e atos eletrônicos via e-Notariado, mas nem todo procedimento é digital em todos os cartórios. Siga as regras formais exigidas.
3) Documentos essenciais do imóvel e do vendedor
3.1 Do imóvel (Registro de Imóveis)
- Certidão de matrícula atualizada (situação e histórico do bem).
- Certidão de ônus/averbações (hipoteca, alienação fiduciária, penhora, usufruto, indisponibilidade).
- IPTU e taxas municipais em dia.
- Condomínio em dia (declaração do síndico/administradora).
- Habite-se e averbação da construção (quando aplicável).
3.2 Do vendedor (pessoa física)
- RG, CPF, estado civil, certidão de casamento e regime de bens (muitas vendas exigem outorga conjugal).
- Certidões cíveis/estaduais, federais, trabalhistas e de protestos (diligência).
3.3 Do vendedor (pessoa jurídica)
- Contrato/Estatuto social, atas de eleição e prova de representação.
- CNPJ e certidões fiscais/tributárias e trabalhistas.
Dica: quando fizer sentido, consulte bases como CENSEC (procurações/testamentos) e CNIB (indisponibilidades).
4) Passo a passo: como registrar um imóvel
- Due diligence: colete e analise certidões do imóvel e do vendedor. Leia toda a matrícula.
- Título adequado: escritura pública (regra geral) ou instrumento particular do banco em financiamento com alienação fiduciária.
- ITBI: calcule e recolha o imposto municipal conforme a base correta (valor da transação/mercado).
- Protocolo no Registro de Imóveis: o cartório prenota, qualifica e, se estiver tudo certo, registra. Havendo exigências, corrija e reapresente.
- Certidão atualizada: após o registro, solicite a matrícula já em seu nome.
5) Situações práticas
5.1 Compra à vista
- Negociação e assinatura de contrato de arras (sinal) com prazos e consequências claras.
- Escritura pública no Tabelionato de Notas.
- Recolhimento do ITBI.
- Registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis.
Pontos de atenção: prefira pagar o valor integral condicionando à protocolização/registro (conta-garantia/escrow, quando disponível). Peça declaração formal de quitação do vendedor.
5.2 Compra com financiamento
- Pré-aprovação do crédito e coleta de documentos pelo banco.
- Avaliação do imóvel e conferência documental.
- Assinatura do contrato com alienação fiduciária (instrumento particular com força de escritura, conforme lei).
- ITBI e registro simultâneo da transferência e da garantia na matrícula.
Observação: se o imóvel já tem alienação fiduciária, a venda pode ocorrer via cessão de direitos aquisitivos, com anuência do credor e formalidades específicas.
5.3 Compra na planta
- Exija o número de registro do memorial de incorporação na matrícula do terreno.
- Verifique a existência de patrimônio de afetação (protege os recursos da obra).
- Assine o contrato e acompanhe as entregas e a averbação da construção na matrícula.
5.4 Casos com menores/incapazes
Em regra, dependem de autorização judicial (alvará) e demonstração de vantagem ao incapaz.
6) Custos, impostos e taxas
Item | Quem cobra | Base/Fato gerador | Quando paga | Observações |
---|---|---|---|---|
ITBI | Município | Valor da transação/mercado | Antes do registro (prática); juridicamente no registro | Alíquotas variam por cidade |
Escritura | Cartório de Notas | Tabelas estaduais | No ato | Pode haver isenções/faixas especiais |
Registro | Registro de Imóveis | Tabelas estaduais | No protocolo | Inclui prenotação e registro |
Certidões | Órgãos/Cartórios | Valor por documento | Antes da compra | Diligência do comprador |
Condomínio/IPTU | Condomínio/Município | Débitos propter rem | Antes de concluir | Confirme quitações |
7) Boas práticas para evitar dor de cabeça
- Peça e leia a matrícula atualizada do imóvel; é o “RG do imóvel”.
- Baseie-se no princípio da concentração na matrícula e guarde as certidões.
- Formalize o sinal (arras) com regras objetivas para desistência/atrasos.
- Em operações digitais, utilize canais oficiais (e-Notariado) e faça a identificação exigida.
- Evite pagar 100% antes do protocolo/registro; quando possível, vincule o pagamento ao andamento no cartório.
- Tenha apoio de um corretor e, sempre que puder, um advogado imobiliário.
8) Checklists rápidos
8.1 Do imóvel
- Matrícula atualizada e certidão de ônus/averbações.
- IPTU e taxas municipais verificados.
- Declaração de condomínio em dia.
- Habite-se e averbação da construção (se aplicável).
8.2 Do vendedor
- Documentos pessoais e estado civil (com regime de bens).
- Certidões cíveis, federais, trabalhistas e de protestos.
- Pessoa jurídica: atos societários, CNPJ, certidões fiscais e prova de representação.
8.3 Do ato
- Título adequado (escritura ou instrumento bancário).
- Guia e pagamento do ITBI na base correta (valor da transação/mercado).
- Protocolo e registro no Cartório de Registro de Imóveis.
- Emissão de nova certidão de matrícula em seu nome.
9) Perguntas frequentes (FAQ)
Assinar escritura me torna dono imediatamente?
Não. A propriedade imobiliária só se transfere com o registro do título na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis.
Contrato particular basta para qualquer valor?
Para imóveis acima de 30 salários mínimos, a regra é escritura pública. Em financiamentos com alienação fiduciária, o instrumento particular pode ter força de escritura conforme a lei.
O ITBI usa um valor de referência fixo?
Não. A base do ITBI deve refletir o valor de mercado/da transação. O município não pode impor, previamente, valor arbitrário desconectado do preço real.
Dívidas de condomínio e IPTU ficam com quem?
São obrigações propter rem e podem acompanhar o imóvel. Por isso é essencial conferir quitações antes de concluir a compra.
É possível fazer tudo online?
Há escrituras e atos eletrônicos via e-Notariado, mas nem todo procedimento é digital em todos os cartórios. Sempre siga as regras formais e de identificação.
10) Fontes e referências
- Código Civil: arts. 108 (escritura pública), 1.245 (registro transfere a propriedade), 1.647 (outorga conjugal), 1.691 e 1.750 (atos envolvendo incapazes).
- Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) e alterações posteriores (incluindo a modernização de serviços).
- Lei 13.097/2015 — princípio da concentração na matrícula.
- Lei 9.514/1997 — alienação fiduciária; instrumento particular com força de escritura (art. 38).
- Lei 4.591/1964 — incorporações imobiliárias; memorial de incorporação (art. 32).
- Lei 10.931/2004 — patrimônio de afetação na incorporação.
- CTN, art. 130 (IPTU propter rem) e CC, art. 1.345 (dívida condominial).
- Entendimentos STF/STJ sobre ITBI: base no valor de mercado/da transação e fato gerador no registro.
- Orientações de Cartórios, IRIB e e-Notariado para atos presenciais e eletrônicos.
11) Aviso legal
Este conteúdo é informativo e não substitui a análise de um profissional habilitado. Leis, entendimentos e procedimentos podem variar por município e estado. Para segurança total, conte com um corretor de imóveis e, quando possível, um advogado especializado.